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quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Investigação e Ministério Público

Gerson Godinho da Costa, Juiz Federal
 
É inequívoco que, no plano jurídico, o Órgão do Ministério Público está cercado de garantias que o fortalecem para o combate à criminalidade.
O Supremo Tribunal Federal, como intérprete maior da Constituição Federal, decidirá se ela chancela a possibilidade de o Ministério Público praticar atos de investigação criminal. O assunto é polêmico, mas andava esquecido. Reacendeu com o depoimento de Delegado Federal, no exercício de importante cargo de cúpula da Polícia Federal, no Congresso Nacional, ainda a propósito da operação Satiagraha. As teses exatamente opostas apresentam-se juridicamente defensáveis. Examinemos, no entanto, apenas um dos desdobramentos que recomendam a conveniência da autorização.

É notório que, como nunca antes, o aparelho penal passou a voltar-se, também, aos cidadãos pertencentes àquelas camadas economicamente privilegiadas. Ainda que tímida ou excepcionalmente, o fato é que a máxima popular de que à cadeia só são destinados pretos, pobres e prostitutas tem sido quebrantada. Há diversas explicações para este quadro, sejam sociais, políticas, históricas ou econômicas. Mas, no plano jurídico, é inevitável reconhecer que, a partir da Constituição Federal de 1988, a qual assegurou instrumentos para atuação mais eficiente do Ministério Público, houve significativa evolução.

Sem embargo, é preciso ter presente ser indefensável qualquer preconceito de classe social. A idéia não preconiza punições pelo fato de o sujeito ser abastado, mas simplesmente que as punições devem ser estabelecidas para aqueles que comprovadamente praticaram algum delito, sejam eles ricos ou pobres, ainda que possam ser vinculadas certas condutas ilícitas com determinadas origens sociais, como, por exemplo, os crimes praticados em detrimento do sistema tributário ou financeiro.
Seja no plano político - quando a sociedade apreende que ninguém está acima do Direito - ou no plano social - quando se constata a necessidade de punir novas condutas assaz perniciosas para o seu regular desenvolvimento -, deverão ser utilizadas medidas estatais que procurem alcançar o agente independente da esfera social que integra.

Todavia, ainda que racional a premissa, no plano fático há necessidade de ultrapassar-se o mero exercício retórico, em virtude dos inúmeros obstáculos que se opõem a essa atuação do Estado. Não sem pouca resistência o aparelho penal alcançará indivíduos de camadas privilegiadas. E a oposição está além da utilização otimizada dos mecanismos jurídicos de defesa, sempre muito bem manuseados pelos destacados profissionais que para estes fins são contratados (o que, aliás, é indispensável ao Estado democrático de Direito).

A preocupação, portanto, volta-se precisamente ao uso indevido do poder econômico e/ou político, em especial em sociedade que se esforça por manter firmes os postulados do "jeitinho brasileiro", do "negócio é levar vantagem em tudo", influências que ocorrem com freqüência inimaginável, não raro a par da pretensão de revesti-las da roupagem de que são "naturais", "fazem parte do jogo", afinal "quem pode mais chora menos".

Para evitar essa perniciosa ingerência, os agentes públicos encarregados da investigação devem dispor de instrumentos que, senão impeçam, pelo menos desestimulem essas maliciosas investidas. E o Ministério Público, enquanto instituição essencial à defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, está razoável e justificadamente municiado para esse tipo de atividade.

Desinteressa, nessa ótica, se os serviços prestados pelas forças policiais são acertados ou desacertados, ou se o porventura exercido pelo Ministério Público foi, é ou será melhor. O que releva destacar é que o Ministério Público encontra-se melhor aparelhado, no plano jurídico, para o enfrentamento desses delitos econômicos. Dois institutos são aptos a fundamentar essa assertiva: ao Ministério Público são asseguradas as garantias institucionais da inamovibilidade e da vitaliciedade, enquanto aos policiais, não.

A atuação policial, óbvio, é indispensável. Seria disparate afirmar que poderia ser simplesmente substituída pela do Ministério Público. Porém, se a atuação deste pode ser agregada aquela já desempenhada pelas forças policiais, inclusive complementando-a, não parece haver razão para alijá-lo do combate às condutas sociais nocivas.

O leitor já se perguntou como são dispostos os cargos de comando nas forças policiais? Qual a garantia que assegura à autoridade policial o incriticável desempenho de suas tarefas, quando em confronto com reveses de bastidores? Na hipótese de não ceder essa autoridade às ditas pressões, não poderá ela ser simplesmente removida para outra função?

E evidente que por razões inerentes ao ser humano, uma autoridade policial pode ser menos infensa a essas pressões do que um membro do Ministério Público. Isto depende de análise individual de cada qual que não importa para efeitos científicos. Contudo, é inequívoco que, no plano jurídico, o órgão do Ministério Público está cercado de garantias que o fortalecem para o combate à criminalidade.
* Artigo publicado no Jornal O Sul do dia 19/10/2008
 

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