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sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Investigação criminal: só existe uma?

Rodrigo Valdez de Oliveira*
Procurador da República no RS

Inicialmente, friso que não entrarei na seara da interpretação e infindável discussão sobre se a CF/88 (ou se esta previsão está nas Leis Orgânicas do MP, n. 8625/93 para os Estados e LC 75/93, no caso do MPF) reconhece e legitima, expressa ou implicitamente, os poderes investigatórios do MP.

Duas questões me parecem cruciais na discussão. A primeira é a existência de inúmeros órgãos públicos, e até ONGs (no campo ambiental é comum substituírem o Estado em apurações muito bem instruídas) empreendendo investigações a partir da suspeita da prática de algum delito, com o fim de remeter representações/notícias-crime ao MP. Banco Central, Receita Federal do Brasil, INSS, CONAB, Ministérios, CGU, ONG Sea Shepard, são bons exemplos. Imaginemos as quatro situações abaixo. Se um auditor fiscal da RFB faz campana a fim de verificar se determinada empresa está recebendo produtos indevidamente internados no país (objeto: contrabando e descaminho). Se um servidor do Banco Central realiza cruzamento de dados por meio de sistema informatizado federal a fim de informar eventual suspeita de evasão de divisas. Se a auditoria interna do INSS desconfia do grande número de concessões de benefícios previdenciários por determinado servidor, instruindo e remetendo tal fato ao MP. Se a ONG Sea Shepard, fazendo uso de lancha-rápida, flagra diversos barcos pescando a menos de três milhas da costa do RS, filma as embarcações, identifica os proprietários junto à Capitania dos Portos e envia representação detalhada acerca do crime ambiental praticado.

Nas quatro hipóteses o MP pode oferecer denúncia-crime de pronto. Se o fizer, a denúncia será recebida, a ação penal processada e nunca será aventada qualquer nulidade.

Agora, em qualquer dos quatro casos acima basta o MP expedir um ofício requisitando um documento complementar (um contrato social, por exemplo) ou determinar uma oitiva, seja de testemunha, seja do autor do fato, e os habeas corpus retumbarão, até chegarem ao STF (lógico, com o uso da técnica “canguru”).

O titular exclusivo da ação penal pública não pode praticar diligências visando ao seu convencimento? Objetivando oferecer uma denúncia mais precisa, ou até mesmo para afastar a autoria de alguém, não pode praticar qualquer ato? A exclusividade é da polícia? Teremos de esperar a, às vezes demorada, instauração de inquérito policial? A tese é absurda. Ainda mais quando se sabe que o MP apenas investiga diretamente os casos de maior repercussão (social, não televisiva!), onde há maior danosidade à sociedade (crime organizado, corrupção, por exemplo).

A segunda questão crucial é sobre a quem interessa esta pretensa exclusividade policial na investigação. Sem rodeios, esta discussão só serve para reativar e incandescer disputas corporativas que vão ter reflexo na remuneração e nas garantias de cada carreira. Em suma: disputa por poder, representatividade, espaço. Essa contenda, pelo menos no âmbito federal, não tem razão de ser, pois as duas carreiras, MPF e Polícia Federal, são bem remuneradas, contam com boas condições de trabalho e vêm desenvolvendo uma parceria de sucesso. Assim, de se concluir que a questão apresenta grande relevo e importância somente aos principais interessados na manutenção da impunidade (num sistema penal e processual penal que já favorece o famigerado fenômeno). Interessa ao crime organizado, aos criminosos de colarinho branco, aos agentes corruptores e corrompidos da administração pública. Esses sim, estarão realmente “de olho” no julgamento do STF que se avizinha.


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