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quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Quem tem medo do Ministério Público no Cade?

José Elaeres Marques Teixeira
Procurador regional da República em Brasília e mestre em Direito, Estado e Sociedade pela UFSC.
Exerceu mandato de representante do Ministério Público Federal no Cade de 12/2004 a 12/2008.
 
06/01/2009

Em dezembro, o Valor publicou artigo com o título "A reforma do Cade", assinado por Arthur Badin, presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), e Mariana Tavares de Araujo, titular da Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça (SDE/MJ). No texto, consignaram os seus autores que "nos últimos seis anos, muito se avançou na defesa da concorrência no Brasil". De fato, houve uma melhora significativa no combate aos cartéis. E isso se deve ao trabalho sério e competente dos dirigentes e técnicos da SDE. Também o controle de fusões e aquisições entre grandes empresas deu um salto de qualidade. A explicação para esse avanço está na escolha acertada dos conselheiros do Cade que exerceram e exercem os últimos três mandatos, com os quais convivi.

Mas, se por um lado, é justo que se reconheça a veracidade da afirmação das duas principais autoridades do antitruste brasileiro, por outro, não se pode concordar com a assertiva de que o Projeto de Lei 3.937/04, que pretende reformular o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC), "representa um amplo consenso entre governo, empresários, classe política e entidades representativas dos consumidores". Parece que todo mundo está de acordo com o texto preparado pelo deputado Ciro Gomes (PSB-CE) e recentemente aprovado na Câmara. Não está!

Não pretendo tratar aqui das críticas, por exemplo, ao excesso de poderes que o projeto confere ao superintendente-geral. Minha intenção é alertar para o fato de que o texto aprovado promove uma verdadeira mutilação nas atribuições do Ministério Público Federal no Cade.

No modelo atual, o MPF deve oficiar em todos os casos sujeitos à apreciação do Cade. Essa obrigatoriedade não decorre apenas do artigo 12 da Lei 8884/94, mas também do fato de o artigo 127 da Constituição atribuir-lhe a defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Seu papel é de zelar pelo respeito aos bens jurídicos protegidos pela lei, como a livre concorrência, que não constitui direito subjetivo dos agentes econômicos como pensam alguns, mas direito da sociedade. Também incumbe-lhe intervir na proteção dos interesses dos consumidores.

Em cumprimento a essa determinação constitucional e legal, o representante do MPF recebe dos Conselheiros do Cade para manifestação: averiguações preliminares, processos administrativos, atos de concentração econômica e consultas formuladas com o objetivo de serem dirimidas dúvidas sobre questões concorrenciais. Além disso, emite parecer em acordos judiciais sugeridos pela Procuradoria Geral, relativos a infrações contra a ordem econômica.

Pela proposta de reforma do Cade, diversamente do que acontece atualmente, será mínima a participação do MPF nos casos a serem apreciados pelas autoridades do antitruste. Se aprovado o projeto no Senado Federal, as atribuições da instituição perante o Cade ficarão praticamente esvaziadas.

De fato, o texto oriundo da Comissão Especial e chancelado pelo Plenário da Câmara dos Deputados estabelece que o MPF emitirá parecer apenas nos processos administrativos para imposição de sanção por infração à ordem econômica. Ou seja, ao contrário do modelo vigente, em que o MPF deve oficiar em todos os processos e procedimentos do SBDC, o projeto a ser agora enviado ao Senado Federal pretende limitar a sua atuação a pouco mais de 5% dos casos analisados pelo Cade.

Difícil de acreditar? Pois basta consultar o último relatório de gestão do Cade referente ao ano de 2007, disponível no sítio do órgão na internet. Em 2007, o Cade julgou 699 casos, sendo 563 atos de concentração (80,54%), 39 processos administrativos (5,58%), 69 averiguações preliminares (9,87%), dois recursos voluntários (0,29%), duas consultas (0,29%), 19 embargos de declaração (2,72%) e cinco outros (0,71%).

O projeto de lei aprovado na Câmara dos Deputados foi encaminhado pelo presidente da República ao Legislativo em 2005. O texto original assegurava ao representante do MPF ampla atuação nos casos sujeitos à apreciação pelo Cade. Entretanto, quando o projeto se encontrava na Comissão Especial destinada a dar parecer sobre a sua constitucionalidade, juridicidade, técnica legislativa, compatibilidade e adequação orçamentária e financeira, fui alertado de que a posição do governo mudara em relação ao MPF junto ao Cade. Pretendia-se suprimir a sua atuação ali! As razões para essa mudança radical de posição nunca foram reveladas.

Essa pretensão de afastar o MPF do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência foi possível de ser confirmada em audiência pública da Comissão Especial destinada a dar parecer sobre o projeto, já agora oriunda de outro setor: a advocacia. Na oportunidade, o então presidente do Ibrac (Instituto Brasileiro de Estudos de Concorrência, Consumo e Comércio Internacional), entidade que representa boa parte dos advogados que atuam no Cade, defendeu que, assim como a Seae, a participação do MPF deveria ser excluída do sistema. Bem, a Seae foi contemplada no projeto aprovado. Já o MPF, embora também ali permaneça, teve suas atribuições aviltadas.

É importante registrar que várias gestões foram feitas junto ao relator deputado Ciro Gomes, no sentido de preservar o papel do MPF no Cade. Foram-lhe entregues sugestões para melhoria do texto original do projeto. Procurou-se esclarecer a importância do trabalho que vem sendo desenvolvido ali e as razões jurídicas que justificam a atuação do MPF no sistema. Mas o relator mostrou-se pouco sensível a todos os apelos feitos. Na Comissão Especial, um dos poucos deputados que compreenderam a importância do trabalho do MPF junto ao Cade foi o deputado Paes Landim, que apresentou voto em separado, com longa justificativa e substitutivo de texto. Mas a maioria da Comissão, entretanto, preferiu ficar com o relator.

A justificativa para esse verdadeiro retrocesso jurídico é que é preciso desburocratizar o andamento dos processos no Cade. O argumento é tanto frágil quanto equivocado, pois não se pode classificar de burocrática a atuação do MPF na defesa de interesses sociais e individuais indisponíveis.

Diante disso, fica a pergunta: quem tem medo do MPF no Cade?

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