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quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Uso de energia elétrica do fórum por advogado...

Em sessão do tribunal do júri, advogado foi impedido pelo juiz
de ligar seu notebook na tomada de energia elétrica, sob alegação de
gasto de energia elétrica do prédio público. Por este motivo, não
pôde acessar as alegações e os documentos que estavam armazenados no
aparelho, prejudicando a defesa. O advogado recorreu ao CNJ, que deu
razão ao advogado, encaminhou o caso para análise da Corregedoria
Nacional de Justiça.


PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS Nº. 2007.10.0.001356-1
RELATOR: CONSELHEIRO TÉCIO LINS E SILVA
REQUERENTE: FLÁVIO RIBEIRO DA COSTA
REQUERIDO: 2ª VARA DA COMARCA DE FRUTAL - MG
ASSUNTO: CONSULTA ? POSSIBILIDADE ? USO DE ENERGIA ?
ADVOGADO ? NOTEBOOK ? SESSÃO DE JULGAMENTO.


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ACÓRDÃO

EMENTA: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. CONSULTA DE ADVOGADO.
POSSIBILIDADE DE USO DA ENERGIA DO FORUM DURANTE A SESSÃO DE
JULGAMENTO. UTILIZAÇÃO DE NOTEBOOK. PRÁTICA OBSTADA POR JUIZ
PRESIDENTE DA SESSÃO DO TRIBUNAL DO JÚRI. Em respeito aos princípios
do contraditório e da ampla defesa, não se pode permitir que
magistrado ou servidor de tribunal impeça que advogado, defensor
público, ou mesmo membro do Ministério Público façam uso de
computador portátil em sessão de julgamento, uma vez que se encontram
no exercício constitucional de suas atribuições, sob pena de
configurar manifesto cerceamento de defesa. Além disso, o gasto de
energia não tem nenhuma expressão econômica, conforme atestado pela
Agência Nacional de Energia Elétrica ? ANEEL, representando consumo
baixíssimo (0,06 kWh) e custo de menos de um centavo (R$0,038) por
hora. Episódio que deve ser examinado pela Corregedoria Nacional de
Justiça a qual se remete o procedimento para análise disciplinar.
Decisão unânime quanto ao mérito da consulta e, por maioria,
remetido à Corregedoria.

VISTOS, etc.

ACÓRDAM os membros do Conselho Nacional de Justiça, por
unanimidade de votos, conhecer e responder afirmativamente à consulta,
nos termos do voto do Relator e, quanto à remessa de peças à
Corregedoria para exame disciplinar, por maioria, pelo voto de
desempate do Presidente.

O Senhor Conselheiro Técio Lins e Silva:

Cuida a presente hipótese de consulta formulada pelo advogado
FLÁVIO RIBEIRO DA COSTA, no intuito de obter esclarecimentos sobre o
embaraço havido em sessão do Tribunal do Júri da Comarca de
Frutal/MG, ocasião em que foi impedido pelo Juiz Presidente, de fazer
uso da energia do fórum para funcionar seu Notebook, na defesa de seu
constituinte em Plenário.

Narra o Requerente que em 28 de agosto de 2007, no salão do
Júri da Comarca de Frutal/MG, foi orientado pelo Presidente da Sessão
do Júri a retirar da tomada o seu Notebook Compaq armada M500, com
bateria que não segura carga, sob o fundamento de que a energia só
poderia ser consumida pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas
Gerais e por seus serventuários.

Informa que, na ocasião, esclareceu ao Magistrado que toda a
tese defensiva estaria em seu Notebook, assim como depoimentos,
testemunhos, escaner das provas, alegações finais, contrariedade ao
libelo e esquema de argumentação em Plenário, e que a utilização
da energia seria no exercício da profissão e exclusivamente na defesa
do réu, o que não reverteu o comando dado pelo Magistrado.

Noticia também o Requerente que, após iniciada a sessão de
julgamento, tomou conhecimento de que referido fato, por ter ocorrido
em momento anterior ao início da sessão, não constou em ata, e que
seu requerimento de redução a termo do acontecido foi indeferido pelo
Magistrado Presidente.

Terminado o julgamento e condenado o réu ? seis anos e dez
dias de reclusão em regime semi-aberto ?, este manifestou seu desejo
de não recorrer. Contudo, o óbice à utilização da energia para
funcionamento do Notebook gerou grande polêmica e acalorada discussão
no corredor do Fórum.

Ao final, questiona a este Conselho Nacional de Justiça "se o
advogado de defesa pode utilizar da energia do FORUM, para o
funcionamento de seu Notebook na defesa de seu constituinte em
plenário".

No intuito de obter informações acerca do consumo médio de
energia elétrica, aproximadamente, de um LAPTOP, em condições
normais de uso, considerada a Comarca de Frutal/MG, oficiei à CEMIG
(OFIC5) que não se dignou a prestar as informações solicitadas.
Entretanto, acionada a Agência Nacional de Energia Elétrica ?
ANEEL, sua Procuradoria-Geral, prontamente, prestou os necessários
esclarecimentos (OFIC10).

Instada a se manifestar, disse a autoridade requerida em suas
informações (INF19):

(i) que antes de iniciar a sessão de julgamento constatou que
o peticionário tinha ligado o seu aparelho de computador portátil na
energia elétrica do prédio do fórum, sem consultar o Juiz Presidente
sobre a possibilidade de tal atitude;

(ii) que a situação da edificação do prédio do Fórum da
Comarca de Frutal é de grave risco aos seus usuários em face da
existência de infiltrações e a possibilidade de curto-circuito;

(iii) que diante da imperiosa necessidade de zelar pela vida
humana e pelo patrimônio do prédio do fórum, e ainda impedir que o
gasto de dinheiro público pelo uso de energia elétrica de quem não
é vinculado ao serviço público, além do que o referido computador
pode ser utilizado pela sua bateria e o peticionário poderia imprimir
o conteúdo das suas argumentações em folhas, solicitou ao Requerente
que retirasse a ligação do seu computador portátil da energia
elétrica do prédio do fórum, explicando-lhe os motivos de tal
solicitação;

(iv) que o peticionário concordou com o pedido sem
resistência e tampouco pediu para constar este fato em ata para
posterior argüição de eventual nulidade;

(v) que após transcorrido o prazo recursal, o peticionário
requereu que ficasse mencionado nos autos os fatos narrados, o que foi
indeferido de plano; e

(vi) que não houve a alegada discussão no corredor do fórum.
Para corroborar com esta última alegação, transcreveu declarações
supostamente feitas pelo Presidente da 61ª Subseção da OAB/MG (fls.
2 do INF26).

Em virtude das manifestações do MP e da OAB local, notifiquei
o Requerente para que se manifestasse sobre as informações prestadas
(DESP20).

Em resposta, o Requerente rebateu a versão trazida pelo
Magistrado requerido, e trouxe a lume alguns fatos que, no seu
entender, podem ter causado todo este constrangimento.

Noticia que alguns meses antes de ser designado para a sessão
plenária em referência, representou o Magistrado requerido por
excesso de prazo, por entender ser o único meio possível para
impulsionar o andamento de uma ação popular, eis que, após a
notificação, fora proferida decisão.

Dessa maneira, entende o Requerente que a proibição da
utilização da energia do salão do júri tenha sido um ato de
retaliação, uma vez que, feita consulta à secretaria do Fórum
local, não se levantou nenhum precedente, ou controvérsia semelhantes
a este respeito.

E relembra que a sua proposição neste Conselho se resume na
seguinte pergunta: pode o Tribunal, por meio de juiz de direito,
diretor do foro, negar o uso de energia do Fórum, em plenário de
julgamento, ao Advogado de defesa que se utiliza de notebook, a qual
não segura carga, na defesa de seu constituinte, ao argumento de que a
energia só pode ser utilizada por funcionários do Tribunal e que
referido fato evidencia gasto público?

Ao final, ressalta que a atitude do Magistrado, impulsionada
por sugestão do Promotor de Justiça presente à sessão de
julgamento, é ato atentatório ao livre exercício da profissão.

É o relatório.


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VOTO

O Senhor Conselheiro Técio Lins e Silva:

É manifesta a repercussão desta consulta no âmbito do Poder
Judiciário nacional, por envolver questão afeta ao exercício de
função essencial à Justiça, nos termos do que previsto pelo artigo
133, da Constituição Federal.

Entendo que no caso ora posto em análise, o magistrado
extrapolou da autonomia gerencial que lhe foi conferida como Presidente
da sessão do júri e, num ato desprovido de razoabilidade e
proporcionalidade, criou embaraço, dificuldade para o Requerente
amplamente defender o réu, que naquela ocasião seria julgado, com
provável imposição de pena a suprimir sua liberdade. O que de fato
ocorreu, tendo porém o réu, após tomar conhecimento da sentença ?
seis anos e dez dias de reclusão em regime semi-aberto ?, dela se
resignado e optado por aceitá-la sem a interposição de recurso.

Dessa maneira, em resposta à consulta formulada pelo advogado
requerente, em respeito aos princípios do contraditório e da ampla
defesa, não se pode permitir que magistrado ou servidor de tribunal
impeça que advogado, defensor público, ou mesmo membro do Ministério
Público façam uso de computador portátil em sessão de julgamento,
uma vez que se encontram no exercício constitucional de suas
atribuições, sob pena de configurar manifesto cerceamento de defesa.

Os argumentos de que o uso do notebook poderia causar graves
riscos ao patrimônio e gastos de dinheiro públicos não tem nenhuma
procedência. O consumo de energia do equipamento utilizado pelo
Advogado é mínimo e o seu custo sem nenhuma expressão. Basta ver o
que informou a Agência Nacional de Energia Elétrica ? ANEEL. Eis o
quadro:

Se utilizado o notebook pelo tempo máximo da sustentação
oral da defesa ? 2 horas ? o consumo de energia seria de 0,12 kWh,
o que é correspondente ao gasto de menos de um centavo (R$0,076), na
tarifa da CEMIG, aí incluídos PIS/COFINS + ICMS, o que não pode ser
considerado como "gasto de dinheiro público", observado que o Advogado
é indispensável à administração da Justiça e que no seu
ministério privado presta serviço público e exerce função social,
consoante estabelece o art. 2º e seu §1º do Estatuto da Advocacia e
da OAB, reproduzindo norma constitucional expressa no art. 133 da
CF/88.

Por todos os motivos expostos, o episódio relatado nos autos
merece ser examinado pela Corregedoria Nacional de Justiça, para a
qual se remete este procedimento para a devida análise.

É como voto.

Publique-se. Comunique-se e encaminhe-se à Corregedoria
Nacional de Justiça cópia do procedimento, para os devidos fins.
Após, arquive-se.

Sala de Sessões, 16 de dezembro de 2008.

Conselheiro TÉCIO LINS E SILVA

Relator

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