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terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA OU GARANTIA (QUASE CERTA) DA IMPUNIDADE?

O tema é polêmico, admito. Mas o STF “consegue” surpreender – em minha avaliação, negativamente – a cada dia que passa.  Não bastasse ter editado recentes súmulas vinculantes sobre algemas e acesso indiscriminado às investigações, dias atrás decidiu que, na pendência de recursos ao STJ e ao STF (Brasília), inviável a execução da pena porque se estaria violando a cláusula constitucional da presunção de inocência. A decisão foi tomada por sete votos a quatro.

Diz a Constituição que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. O STF fez a menos recomendada das formas de interpretação: a literal.

Talvez o leitor não saiba, mas o risco de alguém ser condenado em primeiro grau, ter sua condenação confirmada pelos tribunais de segundo grau e conseguir reformar a decisão (que não seja amparável por habeas corpus) no STJ e no STF mediante discussão de provas ou outro tema atinente à culpa em recursos especial ou extraordinário é “zero”. Pior: hoje em dia o recurso extraordinário em matéria penal é praticamente inviável, pois se exige um requisito chamado “repercussão geral”. É juridiquês, eu sei, mas numa frase: se a matéria discutida no recurso servir só ao caso do recorrente, não cabe o extraordinário, pois a tese defendida tem que ser aplicável a todas as demais situações similares.

Não só, os ministros que votaram contra a execução da pena devem ter esquecido que decidiram, em julgamento recente,  que, como os casos de recursos extraordinários penais são raríssimos, para afastar eventuais ilegalidades atentatórias “à liberdade de locomoção - por remotas que sejam -, há sempre a garantia constitucional do habeas corpus” (sic).

Caros leitores, se houver uma ilegalidade, há sempre o habeas corpus, constitucionalmente previsto para proteger o réu. Cabe habeas para quase tudo. Ele já é um substituto de vários recursos. Aliás, a amplitude de discussão no habeas corpus é muito maior atualmente do que nos recursos ao STJ e ao STF. Causaria espanto até a Darwin saber que no Brasil existe uma espécie chamada habeas-canguru: vai pulando, pulando, pulando e, muito rápido, chega às mãos de um ministro do STF. Se achar que houve uma ilegalidade que nenhum dos inúmeros juízes que atuou no processo até então viu, terá o ministro a possibilidade de afastá-la. É um privilegiado!

Em Portugal, França, Espanha, Estados Unidos, Inglaterra, Canadá e na Alemanha há dispositivos similares nas Constituições (em alguns, iguais) relativamente ao tema da presunção de inocência. Mas lá se admite a chamada execução da pena na pendência dos recursos extremos. Aqui não. Somos um exemplo mundial de proteção dos interesses do réu, só pode ser isso.

A sociedade está desamparada. Enquanto pendentes os recursos ao STJ e ao STF (na maioria das vezes procrastinatórios), a prescrição (inexistente de modo similar em outros ordenamentos, outra “pérola tupiniquim”) vai definhando as esperanças da sociedade em ter uma segurança mínima diante de condenações já firmadas mediante o devido processo legal, com contraditório e ampla defesa.

Para mim, não se garantiu a presunção de inocência, mas a quase certeza da impunidade de muitos. Não me oponho a pagar o preço pelo erro (mais um) em que compreendo ter o STF incorrido: mas ainda tenho direito de manifestar minha inconformidade e rezo para que eu e minha família (e a sua também, leitor) pelo menos estejamos vivos para adimplir com essa dívida.

Douglas Fischer, Procurador Regional da República na 4ª Região

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