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segunda-feira, 1 de junho de 2009

DECISÃO JUDICIAL SOBRE O RODÍZIO DE PRESOS NO RS

Vistos.

Os juízes da Vara das Execuções Criminais, preocupados com a superlotação das unidades prisionais, editaram provimento buscando amenizar situação
que entendem inadmissível. Não referem, mas acreditam que as atuais circunstâncias prisionais contrariam o inciso XLIX da Constituição Federal
e temem ser omissos em suas atribuições, principalmente a que está prevista no inciso VI do artigo 66 da LEP.

As Promotoras de Justiça, que atuam junto ao citado órgão jurisdicional, também manifestam preocupação através do presente mandado de segurança,
com olhos no artigo 144, também da Constituição Federal. Pedem o reconhecimento da ilegalidade dos artigos 29, 30, 31, 32 e 33 do
provimento nº 001/2009 da VEC/POA, que estabelecem uma espécie de rodízio entre os condenados que cumprem pena nos regimes semiaberto e aberto, liberando uma parcela dos citados apenados para pernoitarem em locais diversos dos das prisões.

Não resta dúvida, que as citadas disposições do provimento implicam em desvio de execução e o Ministério Público está autorizado, pelo art. 186
da LEP, a suscitar incidente, buscando corrigir a anômala determinação.

Outros desvios de execução já vêm ocorrendo há tempos nas cadeias do País. Presos do regime semiaberto cumprem pena em penitenciárias ou
estabelecimentos prisionais comuns, ao invés de serem recolhidos à colônias penais, conforme estabelecido na lei. Na falta de vagas do regime
aberto, esses condenados são liberados para prisão domiciliar ou permanecem em estabelecimentos prisionais juntamente com presos dos
regimes semiaberto e fechado. O Estado-juiz tende a compensar com outro desvio, os desvios já praticados pelo Estado-administrador.

O legislador estabeleceu regras vigentes nos mais ricos países europeus, que o continente sulamericano é incapaz de cumprir. Esse descompasso entre
a lei de primeiro mundo e a estrutura de segundo, não se observa apenas na execução penal, mas também no ECA, na lei ambiental e enfim nos próprios
Códigos Penal e de Processo Penal, além de outros diplomas.

A solução para o dilema, todos sabemos, é a construção de novas casas prisionais, extremamente custosas. Não é o custo dos prédios, mas o da
manutenção das cadeias, principalmente em face da necessidade de número elevado de pessoal. Entre eles: monitores, guardas de segurança,
professores, psicólogos, psiquiatras e etc. No admirável mundo novo, as cadeias contam com cerca de um funcionário para cada um dos recolhidos à
prisão.

Dizem os eminentes Juízes, nos considerandos de seu provimento, que a superlotação implica em transformar as prisões em verdadeiros depósitos de
seres humanos. Mas é preciso lembrar, de outro lado, que a situação vivida nas prisões é apenas o reflexo das condições de vida do povo brasileiro.
Nas cadeias há insegurança - a mesma insegurança que há nos bairros bem pobres, onde as mulheres são constantemente estupradas e os homens são
soldados do comando do tráfico. Nas cadeias há assistência médica, mas nos bairros onde vivem as populações bem pobres, nem sempre há. Na cadeia
pode-se ir à escola, mas nos bairros onde vivem as populações bem pobres, nem sempre é possível, porque as pessoas tem de catar lixo e não podem
frequentar bancos escolares. Nas cadeias há alimentação, mas nos bairros onde vivem as populações bem pobres, nem sempre comem três refeições ao
dia. Nas cadeias, os condenados estão ao abrigo das intempéries, mas nos barracos do bairros bem pobres, com frequência, as pessoas amontoam-se nos cantos, para fugir das goteiras. Em suma, a superlotação das cadeias, é a mesma dos barracos onde vivem as pessoa bem pobres, que são milhões. No barraco de 50 m2, por vezes, habitam dez pessoas, homens e mulheres de todas as idades.

É visível, então, o dilema entre o cumprimento dos ditames constitucionais em matéria penal, com regras semelhantes em matéria de saúde, educação e
segurança pública. A sociedade brasileira, visivelmente, tem dado preferência, através dos administradores que elegeu, para a construção de hospitais, escolas e prédios públicos que abrigam a burocracia, afirmando, indiretamente, que não está tão preocupada com as circunstâncias vividas
nas casas prisionais, e mais, em melhorar o bem-estar das crianças, que há pouco estavam na esquina da Avenida Ipiranga pedindo trocados e das
pessoas que passaram a noite embaixo das pontes da mesma avenida e também daqueles que têm pouco para estudar, comer, dormir com algum conforto, ficar a salvo das doenças e fugir dos criminosos. Guilherme de Souza Nucci, buscando facilitar a interpretação do artigo 33 do Código Penal,
diz que quem está preso no regime fechado, salvo situações excepcionais, nesse regime deve aguardar a vaga no semiaberto. Recentemente num programa de televisão, a sociedade, num percentual de mais de 80%, disse que receptadores de caminhões roubados, devem ser recolhidos à prisão, ainda que superlotada.

Observa-se, assim, que a sociedade vem afirmando que devem ser priorizadas as necessidades da população ordeira, em detrimento de melhores condições de vida nas prisões. Na impossibilidade de o Estado Sulamericano dar o mesmo tratamento a todos, como ocorre em muitos dos Estados Eropeus, base dos ensinamentos garantistas de Ferrajoli, deve dar preferência em garantir o futuro das crianças, o bem-estar dos velhos e a segurança das mulheres, que em sua maioria tiveram uma existência alinhada com a ordem jurídica nacional.

A questão é extremamente complexa e louvável a tentativa dos eminentes Juízes da Vara de Execuções, que estão buscando amenizar as difíceis
circunstâncias prisionais, mas não se pode descurar da segurança das mulheres dos bairros bem pobres, que deixam sós, durante o dia, seus
filhos, para ir trabalhar no centro das grandes metrópoles. Também não se pode descurar da segurança das pessoas que não podem mais passear nas
praças à noite e nem dirigir seus automóveis com tranquilidade, sem serem molestadas por criminosos de todos os tipos, muitos deles cumprindo pena
em regime semiaberto e que tiveram autorização para saídas temporárias ou fraudaram contratos de trabalho, não tendo os órgãos de execução
possibilidade de exercer fiscalização severa na conduta dos condenados que cumprem pena nos regimes mais brandos.

Penso que deve permanecer o mesmo estado de coisas, até que a Câmara, para onde for distribuído o presente mandado de segurança, se reúna e avalie
com vagar se essa é a medida que melhor garante a ordem pública. Até que o colegiado firme decisão, deve ficar suspensa a vigência dos artigos 29 a
33, do Provimento nº 001/2009 da VEC, com previsão para ter validade a partir de amanhã.

Desta forma, estou concedendo a liminar do mandado de segurança impetrado pelas diligentes Promotoras de Justiça que firmaram a inicial, para
suspender a vigência dos arts. 29 a 33 do já referido provimento, até que a Câmara julgadora possa proferir decisão mais abalizada e mais justa.

Distribua-se a uma das Câmaras Criminais deste Tribunal, conforme inciso I, letra "e", do art. 24 do Regimento Interno, comunicando-se antes, por
fax, os nobres Juízes que editaram o provimento.

Porto Alegre, 29 de maio de 2009.

GASPAR MARQUES BATISTA

Desembargador Plantonista

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