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domingo, 16 de agosto de 2009

Em nome de Deus, por Flávio Tavares*

Zero Hora 16 de agosto de 2009 | N° 16064

Em nome de Deus, por Flávio Tavares*

O fato mais auspicioso do Brasil pós-ditadura militar é a perseverança e seriedade dos procuradores do Ministério Público, especialmente na área federal. No vendaval de corrupção do dia a dia, o que seria de nós se esses jovens não tivessem a coragem e audácia que têm ou fossem tementes ante o poder? Os horrores da fraude, do roubo e do engano estariam limitados aos arquivos da Polícia Federal, escondidos entre papéis, e a sociedade inteira continuaria a enaltecer a trapaça e os trapaceiros.

Sim, pois o poder – na área pública ou privada – transformou-se em instrumento de cobiça. Como todo trauma comportamental, a cobiça não tem limites, é um tsunami interior que derruba e sufoca o que encontra à frente. Difere de outros traumas, porém, pelo poder de contaminação. Como a gripe de agora, propaga-se sem contenções ou sem vacinas.

No Rio Grande, os escândalos brotam em série e chegam à própria governadora. Parece até um torneio de absurdos, em que competimos com a área federal, capitaneada pelos horrores do Senado.

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Não fossem os jovens do Ministério Público, porém, tudo estaria sob a névoa. E, nós, cegos no nevoeiro.

O grande embuste desponta agora em São Paulo, no escândalo dos bilhões arrecadados, em nome de Deus, pela Igreja Universal e que enriquecem seus chefes. Desbaratado por cinco promotores paulistas integrantes do Grupo Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), supera todos os já conhecidos: a fraude invoca a intermediação direta com Deus, num delito infinito.

Sim, pois, aí, o embuste lida com a visão mais profunda e atávica do ser humano – a relação com o divino, na intimidade da boa-fé e na crença da palavra da fé.

A conclusão da minuciosa investigação sobre as atividades de Edir Macedo, fundador e chefe da igreja, é aterradora. Do volume de dinheiro arrecadado no Brasil (cerca de R$ 1 bilhão 500 milhões ao ano, livres de impostos) até a transformação do pagamento do dízimo em única visão teológica, tudo desemboca em algo terrível: os fiéis são levados a interpretar Deus como um investimento, como se Cristo fosse uma empresa de capitalização.

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Em termos teológicos, a blasfêmia é mais infamante do que a chacota em termos históricos. A denúncia, acolhida pelo juiz criminal paulista, mostra como Edir Macedo e outros nove usaram a igreja como ponta de lança para um vasto império de negócios pessoais. No mesmo estilo dos grandes fraudadores, o dinheiro das doações dos fiéis era (ou é) enviado a “paraísos fiscais” nas ilhas Cayman ou no Canal da Mancha. E, no caso, sempre em dinheiro vivo e em aviões a jato próprios.

A blasfêmia consiste em pedir em nome de Deus e fazer-se deus do óbolo dos fiéis. Inúmeros “fiéis arrependidos” confessaram-se “lesados” pela igreja, inclusive um ex-pastor: nada se cumpriu do que lhes fora prometido em nome de Deus... “Nos diziam que pela oferta de dinheiro é que se demonstra a fé”, contou uma senhora de Minas, cujo filho (com distúrbios mentais) entregou todos os bens à igreja para conseguir casamento e melhor emprego!

Conheceu-se, inclusive, o diploma de “dizimista”, entregue aos contribuintes e “assinado” nada menos do que pelo “Sr. Jesus Cristo”, em excelente caligrafia!

O Conselho de Controle de Atividades Financeiras avaliou o patrimônio pessoal de Edir Macedo em mais de US$ 2 bilhões (hoje R$ 3,8 bilhões), valores não declarados à Receita Federal. Seu avião privado, de US$ 65 milhões, é um dos 20 jatos Global Express do planeta. Os outros são de xeiques árabes, adquiridos com dinheiro do petróleo, não em nome de Deus.

*Jornalista e escritor

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