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terça-feira, 13 de setembro de 2011

Demóstenes Torres é relator da PEC 75/2011

O senador Demóstenes Torres (DEM-GO) foi designado relator da Proposta de Emenda à Constituição n.º 75 de 2011, que prevê, entre outras penalidades, a possibilidade de demissão de promotores e procuradores por decisão do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). A matéria, apresentada por Humberto Costa (PT-PE), está em tramitação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado.
 
A PEC 75/2011 dá nova redação aos artigos 128 e 130-A da Constituição Federal, para prever a possibilidade de aplicação, a membros do Ministério Público, das p enas de demissão e cassação de aposentadoria ou de disponibilidade pelo CNMP, órgão administrativo de controle externo. Atualmente, promotores e procuradores só podem ser demitidos por sentença judicial transitada em julgado.
 
A Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (CONAMP) já elaborou nota técnica contra a proposta. Para a entidade, a PEC 75/2011 apresenta "evidente inconstitucionalidade, incoerência sistêmica e risco pragmático" ao país. O documento explicita os motivos da atual garantia dos membros do MP à vitaliciedade. "A importância dessa garantia mostrou-se de vital importância para a evolução do Estado de Direito. A vitaliciedade instrumentaliza e assegura a independência funcional", diz a nota.
 
Também segundo o documento, a justificativa da PEC de que a vitaliciedade não pode "de forma alguma servir de abrigo seguro aos membros que, tendo se conduzido de maneira reprovável, desejem escusar-se de suas responsabilidades legais" é argumento muito comum em regimes autocráticos e ditatoriais. "A perda do cargo é prevista, mas não facilitada ao ponto de servir de estímulo à pressão exógena. Retirar do Poder Judiciário e concentrar no Conselho Nacional do Ministério Público a possibilidade de decretar essa sanção é medida que certamente vai estimular o surgimento de uma nova instância de pressão, hoje inexistente, e os fins perseguidos nem sempre serão nobres", explicita o documento.
 
A CONAMP alerta ainda que, caso seja aprovada, a PEC 75/2011 oferecerá risco pragmático à atuação do Ministério Público e, consequentemente, à preservação dos direitos fundamentais. "A garantia de que os membros do Ministério Público somente possam perder o cargo em virtude de sentença judicial, exigência que a justificativa da PEC n.º 75/2011 considera 'excessivamente burocrática', é de vital importância para que esses agentes possam bem exercer as diversas atribuições que lhes foram outorgadas pela ordem jurídica, o que, não raro, os contrapõe aos interesses secundários dos poderes constituídos ou, mesmo, aos interesses de poderosos grupos econômicos", afirma a entidade na nota.
 
Confira abaixo a íntegra da nota técnica da CONAMP contra a PEC 75/2011:
 
"Nota Técnica
 
Proposta de Emenda à Constituição nº 75/2011 - Senado Federal.
 
Ementa: Prevê a possibilidade de aplicação, a membros do Ministério Público, das penas de demissão e cassação de aposentadoria ou de disponibilidade pelo Conselho Nacional do Ministério Público
 
Referência: Dá nova redação aos arts. 128, § 5º, I, a, e 130-A, § 2º, III, da Constituição Federal
 
A Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (CONAMP), com o objetivo de colaborar para o debate legislativo, externa o seu posicionamento a respeito da evidente inconstitucionalidade, da incoerência sistêmica e do risco pragmático apresentados pela Proposta de Emenda à Constituição nº 75, de 2011, de autoria do Senador Humberto Costa.
 
A PEC nº 75/2011, embora preserve semanticamente a garantia da vitaliciedade outorgada aos membros do Ministério Público, promove alterações nos arts. 128, § 5º, I, a e 130-A, § 2º, III, ambos da Constituição Federal, para (a) suprimir a exigência de "sentença judicial transitada em julgado" para a decretação da perda do cargo desses agentes; e (b) outorgar competência ao Conselho Nacional do Ministério Público para que, administrativamente, aplique essa sanção.
 
Antes de adentrarmos nos vícios apresentados pela PEC nº 75/2011, é necessária uma explicação preliminar. O que se entende por vitaliciedade no direito brasileiro? Nossa primeira Constituição, a Imperial, de 1824, fez referência ao termo em duas ocasiões, isso ao considerar que senadores (art. 40) e membros do Conselho de Estado (art. 137), uma vez escolhidos, se tornavam vitalícios. A esse termo atribuía-se o mesmo sentido do direito inglês, em que a House of Lords contava com "pares hereditários", sistema que prevaleceu até o House of Lords Act de 1999 (Cf. BRADLEY e EWING. Constitutional and Admnistrative Law, 2003, p. 173-176). Vitalício, assim, era o que perdurava por toda a vida. A mesma Constituição Imperial, ao dispor sobre as garantias dos Juízes de Direito, embora dispusesse que "[s]ó por Sentença poderão estes Juizes perder o Logar" (art. 155), não fazia qualquer referência à vitaliciedade. Com a proclamação da República e o advento da Constituição de 1891, passou-se a entender por vitaliciedade a exigência de que o ocupante do cargo público somente pudesse perdê-lo em virtude de sentença judicial transitada em julgado. Era o que dispunha o seu art. 57: "[o]s Juízes federais são vitalícios e perderão o cargo unicamente por sentença judicial".  A sistemática não foi alterada por nenhuma das Constituições subsequentes, que preservaram a essência dessa garantia. Com o advento da Constituição de 1988, a garantia foi estendida, em toda a sua intensidade, aos membros do Ministério Público, que não mais poderiam perder o cargo por força de decisão administrativa.
 
À luz dessas observações de caráter propedêutico, podemos afirmar, sem margem de erro, que, nos últimos cento e vinte anos, o constitucionalismo brasileiro não conhece vitaliciedade outra que não aquela que exige uma sentença judicial transitada em julgado para a decretação de perda do cargo. E qual é a razão de ser dessa garantia? A resposta é simples: é a mesma que iluminou os ingleses na edição do Act of Settlement, de 1701: impedir que os juízes fossem demitidos ad libitum do soberano ou de outra autoridade superior. Com isso, foi assegurada a sua independência, podendo atuar quamdiu se bene gesserint (rectius: during good behaviour, terminologia também encampada pela Constituição norte-americana de 1787: art. III, Seção 1). A importância dessa garantia mostrou-se de vital importância para a evolução do Estado de Direito. Para dizer o menos, foi a partir dela que Montesquieu (De L'Ésprit des Lois, Tome 1er., 1949, p. 163 e ss.) idealizou a sua tripartição do poder, enquanto Locke (The second treatise of government., 1976, §§ 143 a 148), escrevendo em momento anterior, apesar de identificar a função, não visualizou a existência de um verdadeiro Poder Judicial, isso em razão da submissão de seus agentes à Coroa.
 
A vitaliciedade instrumentaliza e assegura a independência funcional.
 
Avançando para os vícios da PEC nº 75/2011, o primeiro deles é o de inconstitucionalidade material. O Ministério Público, por imperativo constitucional, foi considerado uma Instituição permanente, "incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis" (art. 127, caput). Sua atuação funcional ainda foi objeto de maior especificação nos incisos do art. 129 da Constituição Federal e em diversos diplomas normativos infraconstitucionais, todos assegurando a proteção de direitos afetos à coletividade, como é o caso da segurança pública (v.g.: propondo a ação penal pública); dos direitos sociais, como a saúde e a educação (v.g.: instaurando o inquérito civil e ajuizando a ação civil pública); do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos etc.
 
A ratio essendi do Ministério Público é a proteção, mediata ou imediata, dos interesses da coletividade, facilmente enquadráveis sob a epígrafe dos direitos fundamentais. Nesse sentido, deve-se lembrar que, segundo o art. 5º, § 2º, da Constituição de 1988, "os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte". De modo correlato à disponibilização de direitos, a ordem constitucional prevê a existência de instrumentos e de instituições cuja funcionalidade é torná-los efetivos. A exemplo dos direitos e garantias individuais, que consubstanciam limites materiais ao poder de reforma constitucional (CF/1988, art. 60, § 4º, IV), também o são os instrumentos e as instituições que operacionalizam a sua transposição para a realidade. É o que ocorre, por exemplo, em relação à liberdade de cátedra e à autonomia universitária, que operacionalizam o direito à educação (Cf. WANG. Die Entwicklung der Grundrechte., 2008, p. 143). A existência do Ministério Público e as prerrogativas outorgadas aos seus membros são enquadráveis sob a epígrafe dos direitos-garantia, refletindo uma "garantia institucional" (institutionelle Garantie) ao exercício de inúmeros direitos fundamentais. Vide: EMERSON GARCIA. Ministério Público., 2008, p. 46-47; e PAULO BONAVIDES. Curso de Direito Constitucional, 2006, p 357.
 
Além do vício de inconstitucionalidade material, a PEC nº 75/2011 pretende ser a artífice de uma incoerência sistêmica. E isso por duas razões básicas. A primeira delas ao continuar atribuindo aos membros do Ministério Público a garantia da "vitaliciedade", mas, paralelamente, permitir que a perda do cargo ocorra por decisão meramente administrativa. O propósito declarado é o de aplacar o ímpeto dos críticos, já que a garantia da "vitaliciedade" teria sido preservada. Essa interessante linha argumentativa parece partir da premissa de que a essência das coisas é desinfluente à identificação do significado a ser atribuído a um signo linguístico. Lembrando Julieta, ao propor a Romeu que renegassem o nome e a inimizade de seus genitores para viverem o seu intenso amor, pode-se afirmar: "What's in a name? that wich we call a rose, By any other name would smell as sweet" (SHAKESPEARE. Romeo and Juliet, Ato II, Cena II, in The Complete Works of William Shakespeare, s/d, p. 901). São justamente as convenções linguísticas que permitem seja alcançada a convergência de entendimentos. E são justamente essas convenções que a PEC ora analisada pretende ignorar. Quer simplesmente denominar a pimenta de bocadilho e servi-la no chá da tarde. A segunda razão de incoerência é que o mesmo texto constitucional passará a abrigar duas espécies distintas de vitaliciedade: a dos magistrados e a dos membros do Ministério Público. A primeira, verdadeira, contemplada no art. 95, I; e, a segunda, "de mentirinha", prevista no art. 128, § 5º, I, a.
 
Por fim, a PEC nº 75/2011, caso aprovada, oferecerá um imenso risco pragmático à atuação do Ministério Público e, consequentemente, à preservação dos direitos fundamentais. A garantia de que os membros do Ministério Público somente possam perder o cargo em virtude de sentença judicial, exigência que a justificativa da PEC nº 75/2011 considera "excessivamente burocrática", é de vital importância para que esses agentes possam bem exercer as diversas atribuições que lhes foram outorgadas pela ordem jurídica, o que, não raro, os contrapõe aos interesses secundários dos poderes constituídos ou, mesmo, aos interesses de poderosos grupos econômicos. Somente assim se evita que pressões exógenas venham a censurar a sua atuação ou, mesmo, retaliá-la, o que, no extremo, pode comprometer a sua própria subsitência e a de sua família.
 
Afirmar, como o faz a justificativa da PEC nº 75/2011, que a vitaliciedade não pode "de forma alguma servir de abrigo seguro aos membros que, tendo se conduzido de maneira reprovável, desejem escusar-se de suas responsabilidades legais", é reproduzir escusa muito comum em regimes autocráticos e ditatoriais. Tira-se a independência dos juízes porque julgam mal; tira-se a imunidade dos parlamentares porque são corruptos e legislam mal; tira-se a vitaliciedade dos membros do Ministério Público porque praticam excessos; enfim, tira-se a liberdade do povo porque não sabe usá-la. A garantia é outorgada à Instituição, não ao indivíduo. Se erros são praticados, a solução é punir o indivíduo, não enfraquecer a Instituição, colocando-a de joelhos perante seus algozes. E, em termos de punição, o sistema é pródigo. A perda do cargo é prevista, mas não facilitada ao ponto de servir de estímulo à pressão exógena. Retirar do Poder Judiciário e concentrar no Conselho Nacional do Ministério Público a possibilidade de decretar essa sanção é medida que certamente vai estimular o surgimento de uma nova instância de pressão, hoje inexistente, e os fins perseguidos nem sempre serão nobres.
 
Em conclusão dessas breves considerações, que expõem os diversos vícios que atingem a PEC nº 75/2011, espera a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (CONAMP) seja ela rejeitada e, ao final, arquivada.
 
César Bechara Nader Mattar Jr.
Presidente"

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