- clique aqui para adicionar o blog Ministério Público Brasil aos seus favoritos -

quinta-feira, 26 de março de 2009

O mercado dos cartórios

21.03.2007 - Fonte: Valor Econômico

Se fossem reconhecidos como um setor da economia de fato, os cartórios
teriam faturamento superior ao das empresas da construção civil com
capital aberto no país, que somadas faturam R$ 3,629 bilhões ao ano. É
mais também do que movimentam anualmente as companhias abertas do setor
de máquinas - R$ 6,241 bilhões - e de minerais não metálicos, R$ 1,791
bilhão, de acordo com os últimos balanços.
A estimativa foi realizada pelo Valor a partir dos valores recolhidos ao
Fundo Especial de Despesa do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP),
correspondentes a 3,29% do que é pago em emolumentos nos cartórios
paulistas, de acordo com o artigo 19 da Lei Estadual nº 11.331, de 2002.
Participantes do segmento avaliam que ele acompanha a distribuição do
PIB, já que as documentações de todos os demais setores passam pelos
cartórios - "mercado" longe de poder ser considerado informal, portanto.
Como São Paulo representa 31% da riqueza produzida no país, chega-se aos
números nacionais. Por essa conta, o Rio de Janeiro, com 12,6% do PIB,
teria movimentado R$ 862 milhões ao ano, seguido por Minas Gerais, com
cerca de R$ 645 milhões, ou 9,43%.

Os cartórios exercem atividade delegada pelo poder público em caráter
privado, como define a Constituição Federal em seu artigo 236. Mesmo
assim, há uma dificuldade de se chegar a dados consolidados pela falta
de informações públicas: nenhum Tribunal de Justiça divulga
autonomamente quanto arrecada dos cartórios. E são as as corregedorias
dos tribunais as responsáveis por fiscalizar o trabalho deles. Da mesma
forma, as associações de classe dos notários e registradores não falam
de valores. Por ser atribuição estadual, o Ministério da Justiça possui
apenas o cadastro dos cartórios.

O desconhecimento é tal que, enquanto as associações estimam existirem
de 6.500 a 8.500 cartórios extrajudiciais no país, o Ministério da
Justiça aponta a presença de 14.847 instalados (ver quadro). Alguns
acumulam mais de uma atividade, dependendo de regras estaduais ou da
baixa demanda para certos serviços. Registros civis com tabelionato de
notas, e registros de títulos e documentos com registro de imóveis são
os mais comuns, avalia Sérgio Jacomino, diretor de relações
internacionais do Instituto de Registro de Imóveis do Brasil (Irib). Mas
ainda há tabelionatos de notas com registros de imóveis, típico conflito
de interesse entre quem faz a escritura e quem a analisará, ele diz.

Por esses números, a receita de cada cartório anualmente seria de R$ 461
mil em média, valor equiparável a empresas de pequeno porte, com
faturamento de até R$ 2,4 milhões. Mas é uma média: há lugares com
receitas melhores e piores. Os emolumentos são tabelados por cada
unidade da federação. Além disso, um percentual também estabelecido por
Estado - de 37,5% em São Paulo - fica para o próprio, para os TJs e para
um fundo que cobre os atos gratuitos.

A metodologia da relação com o PIB foi proposta pelo professor de
direito notarial Paulo Gaiger Ferreira, 26º Tabelião de Notas de São
Paulo. Com os dados da numeração dos selos fornecidos aos cartórios de
São Paulo, ele estima que somente os registros de notas - que reconhecem
firmas, lavram certidões e procurações e autenticam documentos -
movimentem R$ 1,7 bilhão ao ano no país. O número dá uma melhor dimensão
do que o número de cartórios por Estado. Apesar de Minas Gerais ser o
mais povoado por cartórios, o TJMG informou que recebe R$ 12,5 milhões
por mês deles. Como em Minas a fatia dos emolumentos que fica para a
corregedoria varia por serviço, a partir de 24%, isso significa cerca de
R$ 600 milhões movimentados pelos cartórios ao ano, conforme a
estimativa pelo PIB.

A atividade cartorial no Brasil sempre foi alvo de cobiça e tida como
uma mina de ouro. Até a Constituição de 1988, os cartórios eram
recebidos por indicação do governo do Estado. Ou do presidente da
República, no caso do Rio de Janeiro quando capital do país, e dos
territórios de Roraima, Rondônia, Amapá e Acre. Ou até do imperador, já
que se trata de legado do regime monárquico, com alguns cartórios ainda
em atuação com criação datando dos anos 1790.

O oficial tinha direito de escolher um substituto, que seria elevado a
oficial em caso de aposentadoria ou falecimento do primeiro. Na prática,
eram escolhidos parentes na maioria das vezes, o que criou a idéia de
herança familiar, mesmo que cartórios não constassem de inventários ou
testamentos. O argumento era que, como não havia aposentadoria para o
notário ou registrador, o filho daria continuidade ao cartório para
sustentar o ex-oficial. Em algumas unidades da federação, como Rio
Grande do Sul, e Distrito Federal, já havia concursos antes de 1988, mas
não era a prática no país. Não era proibido o concurso, mas
priorizava-se o agrado político. Isso explica o desequilíbrio entre a
quantidade de cartórios em determinados Estados e o PIB destes.
Outra estratégia para garantir a hereditariedade era a permuta: o filho
era indicado ou fazia concurso para um cartório menor de outra cidade, e
o pai que estava para se aposentar pedia ao Tribunal de Justiça para
trocar com o filho e se aposentava lá. Um artifício para alcançar um
cartório com boa renda era aceitar a indicação para um menor,
deficitário, e depois se inscrever nos concursos de remoção -
transferência de cartório - contando o tempo de serviço como pontos.

No meio do que ficou conhecido como o "Pacote de Abril" de 1977 do
regime militar, o presidente Ernesto Geisel promoveu a reforma do
Judiciário e estatizou os cartórios, por meio da Emenda Constitucional
nº 7, que acrescentou o artigo 206 à Constituição Federal em vigor na
época, a de 1967. Estatizar significaria transformar os donos de
cartórios em funcionários públicos, mas o artigo não falava em concurso
público, apenas em remuneração por salário dos cofres públicos, e não
mais por emolumentos.

A lei complementar federal para regulamentar o serviço e o ingresso
nele, de que falava o artigo 206, nunca veio. As novas nomeações ou
transferências de titularidade ficaram congeladas. Com a aposentadoria
ou o falecimento dos nomeados, os oficiais-maiores ou substitutos
assumiam interinamente, conta Paulo Tupinambá Vampré, presidente da
seção São Paulo do Colégio Notarial do Brasil, que representa os tabeliães.

Em 1982, a Emenda Constitucional nº 22 separou os cartórios judiciais -
que servem diretamente ao Judiciário - dos extrajudiciais em artigos
diferentes, 206 e 207, voltou atrás na estatização dos extrajudiciais e
falou em concurso público, mas também não regulamentou. Sem concurso ou
novas indicações, alguns substitutos permaneceriam como oficiais
interinos por mais de dez anos e iam se firmando como os novos donos dos
cartórios, mantendo indiretamente o regime de herança. Mais de mil
cartórios ficaram vagos, relata Vampré, do 14º Tabelião de Notas de São
Paulo.

A Constituição Federal de 1988 estipulou claramente o concurso público
como meio de ingresso e remoção na carreira. Mas a Lei dos Cartórios, a
Lei nº 8.935, que regulamentaria a atividade e os concursos, só veio em
1994. A norma restringiu os concursos públicos para bacharéis em direito
ou pessoas com experiência de mais de dez anos trabalhando em cartórios.
E estipulou que os concursos precisariam ser regulados por cada Tribunal
de Justiça, e que nenhuma serventia ficaria vaga por mais de seis meses
sem abertura de concurso para ingresso ou remoção. Alguns Estados
começaram a realizar concursos mesmo antes de 1994.

Apesar da previsão constitucional, muitos Estados que já haviam
estatizado o serviço após o "Pacote de Abril", assim permaneceram. Na
época indicaram pessoas já do funcionalismo ou fizeram concursos de
remoção entre os servidores. Foi o caso do Acre e da Bahia. Somente no
ano passado, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) - criado na última
reforma do Judiciário para controle externo do poder - ordenou as
desestatizações e a realização de concursos. O Acre já realizou. No
Piauí, nem a separação entre escrivães judiciais e extrajudiciais foi
feita, afirma Jacomino.
A indicação do substituto pelo dono do cartório ainda permanece, mas, em
caso de morte ou aposentadoria do notário ou registrador, ele fica no
cargo de oficial apenas até o concurso público que preencherá a vaga por
ingresso - dois terços delas - ou remoção - um terço. Recentemente, o
CNJ decidiu pela criação de uma comissão para analisar e exigir os
concursos públicos para os cartórios, mas os membros ainda não foram
designados. Desde que foi criado, o CNJ já foi chamado a intervir em
vários casos de conflitos das regras dos concursos em relação à
Constituição e à lei federal.
Protestos e imóveis são os mais concorridos

A relação de quase 20 candidatos por vaga no último concurso público
para titulares de cartório em São Paulo não surpreende Paulo Tupinambá
Vampré, presidente da seção paulista do Colégio Notarial do Brasil.
Foram pouco mais de 3 mil inscritos para 170 colocações disponíveis.
Mas, segundo ele, não foi um concurso muito concorrido porque as vagas
eram no registro civil, o tipo que menos gera receita. Segundo ele, o
ranking de rentabilidade - e de procura - segue a ordem: cartórios de
protestos, de registro de imóveis, de notas e registro civil.
No interior, muitos tabelionatos de notas funcionam como cartórios de
protesto também e atraem candidatos a titulares. "Alguns registros civis
não atingem a renda mínima de dez salários mínimos e precisam ser
complementados pelo Fundo do Registro Civil", diz Vampré. O fundo é
alimentado por todos os cartórios, para remunerar atos gratuitos, como
certidões de casamento, nascimento e óbito de quem não pode pagar.

Nesses casos, em geral em cidades pequenas, é comum o oficial "pedir
demissão" ao juiz local, conta o tabelião. E, quando ninguém se
candidata, o juiz pode nomear alguém de bom nível escolar e cultural,
como uma professora aposentada. "O sujeito que passa num concurso desses
pode ganhar mais na profissão dele do que os R$ 2 mil que vão sobrar."
Com a Lei nº 11.441, de janeiro, os tabeliães podem fazer inventários,
partilhas, separações e divórcios consensuais. A projeção é que cerca de
20 mil processos como esses passem pelos cartórios do Estado, saindo a
R$ 213,88 quando o documento não envolve valores patrimoniais e por até
R$ 22.815,32, se houver bens. Por enquanto, o número de pessoas que
procuram os serviços fora do Judiciário é baixo - não mais de 20
divórcios e separações por cartório no primeiro mês, segundo Vampré -,
mas a tendência é aumentar. Ele avalia que há uma demanda reprimida de
situações como inventários que deveriam ter sido feitos há 20 anos, mas
foram deixados de lado pela burocracia, pela demora e pelo alto custo do
Judiciário.

Custo alto com pessoal reduz lucro da atividade

Os bacharéis de direito que decidirem aventurar-se por concursos para
cartório não devem imaginar que se trata de uma atividade com ganhos
fabulosos garantidos. Além de não se perpetuar mais o mito da "empresa
familiar" dada pelo Estado, hoje é preciso investir. "Se eu não tratar
você bem, você vai embora", diz Paulo Tupinambá Vampré, 14º Tabelião de
Notas de São Paulo. Diferente dos registros de imóveis e dos civis de
pessoas naturais, os de notas não contam com a exclusividade sobre
alguma circunscrição em que atuam e, portanto, sofrem concorrência.

As margens de lucro são restritas: chegam a 15% para Paulo Gaiger
Ferreira, 26º Tabelião de Notas, sediado na Praça João Mendes, Centro e
local mais concorrido pelos cartórios de São Paulo.
Ilzete Verderamo Marques, 33ª Oficial do Registro Civil das Pessoas
Naturais de São Paulo, herdou o de 1938 na Mooca, Zona Leste paulistana,
da mãe. Ela conta que usa os cerca de 53% dos emolumentos que sobram dos
atos de reconhecimento de firma, autenticação, lavratura de procurações
e emissão de certidões para pagar seus custos: aluguel, água, luz,
telefone, internet e 12 funcionários. Em São Paulo, alguns registros
civis acumulam funções de tabelionatos de notas. Nos atos do registro
civil de pessoas, a fatia do cartório é de 83%.

"Os custos de pessoal e encargos no registro de notas chegam a 70%, e
vão mais uns 10% a 15% em estrutura. Ele administra um quadro de 123
funcionários em Pinheiros, zona oeste paulistana: 50 atendentes e 30
escreventes, que reconhecem firma, autenticam documentos e assinam em
nome do tabelião.

Vampré estabeleceu como meta para manter sua certificação ISO o
atendimento em até 12 minutos. O horário é anotado quando o cliente pega
a ficha e sai impresso na nota do caixa no final. O tabelião escolhe um
dia de movimento no mês para tabular o tempo gasto. Já os registros de
imóveis têm 15 dias de prazo para liberar o documento, compara, podendo
investir menos.
Sérgio Jacomino, diretor de relações internacionais do Instituto de
Registro de Imóveis do Brasil (Irib), diz que uma concorrência no
registro de imóveis prejudicaria a segurança jurídica, tal como escolher
o juiz de um processo. Ele diz que o trabalho demanda tempo, como o
comprador gastaria se fosse investigar a vida do imóvel. Jacomino,
responsável pelo 5º Registro de Imóveis de São Paulo, do Pari, região
central da capital paulista, diz que o sistema utilizado no Brasil desde
1846 é o mesmo de todos os países em que existe registro de imóveis. Já
se os tabeliães de notas tivessem a mesma reserva de mercado, ele avalia
que seria como escolher o médico pela região.

Se as pessoas têm liberdade para escolher o tabelionato de notas a usar,
os tabeliães também têm mais liberdade para escolher onde irão se
instalar, de acordo com o mercado. Esse seria o motivo para haver tantos
cartórios nos centros das grandes cidades. Mas Jacomino avalia que este
é um movimento do passado e que os cartórios lá se mantêm por inércia.
"Um dos cartórios de notas mais promissores está em Santo Amaro (zona
sul paulistana), região muito populosa e com demanda por estes
serviços", diz. Os registros de imóveis não são proibidos de se instalar
fora de sua circunscrição, desde que continuem fazendo apenas registros
de imóveis dela.

O novo investimento dos cartórios que começa a tomar força é para a
certificação digital. O que no início pareceu uma ameaça ao monopólio de
comprovar a veracidade de documentos hoje mostra-se uma oportunidade de
os cartórios virarem autoridades de registro, ligadas à Receita Federal
e à Certificadora da Justiça.

Nenhum comentário: